quarta-feira, 18 de maio de 2011

TEXTUALIZANDO 1

Uma reflexão sobre:
 A onda, O perigo de uma história única e as questões curriculares
O filme, A Onda, trata de uma situação vivenciada dentro de uma sala de aula que refletiu na vida de uma comunidade. O professor com a intenção de tornar sua aula mais interessante faz uso de uma metodologia de aprendizagem (sócio-drama) para trabalhar o conteúdo: Autocracia, tornando-o mais significativo para seus alunos. A proposta de trabalho foi aceita pelos alunos, que incorporaram, vivenciaram as ideias autocratas sem nenhum questionamento no seu dia-a-dia, deixando evidente a falta de controle do professor diante do que estava acontecendo.
A palestra, O perigo de contar uma história única, da escritora Chimamanda Adichie conta a história de como ela encontrou sua autêntica voz cultural - e adverte-nos que se ouvimos somente uma única história sobre uma outra pessoa ou país, corremos o risco de gerar grandes mal-entendidos.
Relacionando as situações relatadas acima com as questões curriculares discutidas em sala de aula faz com que paremos um pouco para colocarmos nossas ideias em ordem e questionarmos sobre o Currículo nas escolas: Como ele vem sendo trabalhado e qual seu reflexo na vida social? Os professores questionam o conteúdo, a metodologia, a concepção de aprendizagem quando algum conteúdo é trabalhado? Há uma preocupação por parte do professor de fazer com que seus alunos reflitam o conteúdo de maneira crítica e sobre diferentes pontos de vistas? Nós, educadores, consideramos o Currículo como um elemento cultural? Quando falamos em elemento cultural estamos referindo a uma cultura ou as culturas? Já pensamos em como podemos preparar o cidadão para um mundo globalizado sem que este perca sua identidade? Isto é possível? Cabe a nós, educadores, nos posicionarmos e conscientizarmos de nossos papéis diante da formação do aluno cidadão, pois o Currículo tem uma base ideológica, tem um discurso de superficialidade e de interesses específicos o que faz com que nossa fala seja muito perigosa. Temos a capacidade de formar opiniões e abrir mentes ou também o contrário, podemos não estar contribuindo para uma realidade de vida melhor, para um processo de emancipação de nossos alunos. Qual está sendo o nosso papel neste processo de formação de pessoas racionais? Digo racionais porque somos seres que pensamos, decidimos, temos nossas certezas e verdades, nossos motivos, nossas causas, nossas paixões e sentimentos, nossa consciência intelectual e moral. Enfim, que história estamos contando em nossas escolas?

Ana Carolina Carneiro Lopes
28/04/11

TEXTUALIZANDO 2

Currículo Coleção?

Quando referimos ao termo “currículo coleção” questionamos sobre as concepções se contrapuseram sobre o tema: o ponto de vista de Bernstein e o de Forquim.
Para Bernstein, no “currículo coleção” o conhecimento é encarado como algo sagrado, que nem todos têm acesso, funciona como uma propriedade privada, privilégio de poucos, com a sua própria estrutura de poder, onde “as disciplinas ou matérias singulares são narcisistas, orientadas para seu próprio desenvolvimento mais do que para aplicações fora de si mesmas” (BERNSTEIN, 1993 apud SANTOMÉ, 1998, p.107). Sendo assim o currículo coleção é excludente, prioriza conteúdo e não o processo aprendizagem, o aluno é apenas um receptor de conhecimentos que serão indispensáveis para o seu posicionamento na sociedade.
Na teorização de Bernstein (in Domingos et al.,1985, p. 161):
à medida que decorre a vida escolar e que vai se processando a especialização, os alunos vão sendo selecionados de modo a serem eliminados aqueles que não são capazes de atingir a última etapa da caminhada em que todos estavam inicialmente envolvidos. Assim, os alunos que ultrapassam a etapa do“noviciado”adquirem uma identidade educacional que dificilmente será alterada, enquanto aqueles que fracassam, sentem o conhecimento como algo de doloroso, situação designada por Bourdieu como violência simbólica.
Bernstein critica o “currículo coleção” por ser fragmentado, compartimentalizado, que dificulta as relações entre as disciplinas, sendo um currículo linear- disciplinar em que não há uma socialização apropriada do conhecimento e nem integração dos saberes escolares com os saberes cotidianos, tornando os conteúdos disciplinares o dogma do conhecimento.
Segundo Bernstein:
[...] um enfraquecimento das compartimentações entre os saberes pode favorecer a invenção, a criatividade intelectual, convidando o aluno a descobrir e a fazer funcionar certas estruturas lógicas profundas dos saberes, por oposição às divisões e especificações superficiais inscritas na configuração tradicional das matérias escolares (in Forquin, 1993, p. 88).
 De acordo com este ponto de vista o autor defende a integração das disciplinas, o currículo integração, para que haja uma idéia de relação de subordinação entre elas. Afirma também, que existindo mais flexibilidade no código integrado das disciplinas o professor se sentirá mais livre para trabalhar o conteúdo, sem ficar preso a um ritmo, tempo e espaço. Um outro aspecto do “currículo coleção” é comentado por Forquin (1993) ao referir que as ações, as intenções, as decisões acontecem na opacidade. Segundo o pesquisador:
o professor “serial” ( que trabalha na perspectiva de um código coleção) sofre certamente de falta de transparência na vida de seu estabelecimento, mas ao mesmo tempo se beneficia dela. Uma vez fechado na sua sala de aula com seus alunos, ele pode mais ou menos fazer o que quer, sem ter de prestar contas a ninguém, no limite, é verdade, do respeito aos programas e às instruções oficiais, tiranos mais abstratos e razoavelmente conciliantes[...] (Forquin, 1993, p.89).
Forquin defende o “currículo coleção”, integrado, porque através deste o professor poderá garantir sua autonomia e trabalhar as ações modificadoras, pois suas ideologias são implícitas. Analisando as concepções a respeito de “currículo coleção” podemos concluir que é necessário que todo sistema de ensino repense e redimensione a organização curricular para que o conhecimento científico seja transformado em conhecimento escolar, recupere o lugar do saber  explicitando e homogeneizando a base ideológica dos docentes e assim a escola possa deixar de ser reprodutora da sociedade.
Referência Bibliográfica:
Silva, T. Tadeu. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

RESENHA - QUEM ESCONDEU O CURRÍCULO OCULTO?

Dados da Obra:
Autor: Tomaz Tadeu da Silva
Título: Documentos de Identidades – Uma Introdução as Teorias de Currículo
Capítulo: Quem Escondeu o Currículo Oculto?
Editora: Autêntica, 2003 – B. Horizonte

O “currículo oculto” sempre esteve presente nas perspectivas críticas sobre o currículo. Para Bowles e Gintis a noção de currículo oculto estava implícita nas relações sociais que ocorriam na escola, preparando o aluno para se adaptar às exigências do sistema capitalista. Althusser, em seu ensaio: A ideologia e os aparelhos ideológicos de estado definiram ideologia destacando sua dimensão prática, material, que se expressa através de rituais, gestos e práticas corporais do que através de manifestações verbais. Na teoria de Bernstein, é através da estrutura do currículo e da pedagogia que se aprendem os códigos de classes.
O conceito de currículo oculto apesar de sua utilização crítica tem sua origem na sociologia funcionalista. Seu conceito foi usado pela primeira vez por Jackson (1968):
“os grandes grupos, a utilização do elogio e do poder que se combinam para dar um sabor distinto à vida de sala de aula coletivamente formam um currículo oculto, que cada estudante e professor deve dominar se quiser se dar bem na escola.”
Essa definição funcional, que destaca a determinação estrutural do currículo oculto foi ampliada e desenvolvida por Dreeben, quando enfatizava a estrutura da sala de aula, situação de ensino que ensinavam as relações de autoridade, organização espacial, distribuição do tempo, padrões de recompensa e castigo.
O que vai então distinguir o conceito funcionalista da perspectiva crítica do currículo oculto é a intencionalidade dos comportamentos ensinados. Para Dreeben, a escola através do tratamento impessoal que transmite para o aluno ensina a noção de universalismo necessária para o perfeito funcionamento das sociedades avançadas. Numa perspectiva crítica, acontece o contrário, o currículo oculto é visto como indesejável por moldar o aluno para se adaptar às injustiças estruturadas da sociedade capitalista e se conformar com as exigências de seu papel subalterno nas relações sociais de produção.
Para a perspectiva crítica, currículo oculto são todos os aspectos do ambiente escolar que não estão explícitos, oficializados, mas contribuem para aprendizagens sociais relevantes. O que se aprende no currículo oculto são atitudes, comportamentos, valores e orientações que permitem que os alunos se ajustem da maneira mais conveniente às estruturas de funcionamento da sociedade, portanto, ensina-se o conformismo, a obediência e o individualismo.
Os elementos do currículo oculto que contribuem para essa aprendizagem na escola são as relações entre professores e alunos, entre administração e alunos, entre alunos e alunos, a organização do espaço escolar, o ensino do tempo (pontualidade, controle, divisão), rituais, regras, regulamentos, normas, currículo acadêmico e profissional.
Portanto, na perspectiva crítica o currículo oculto implica a possibilidade de termos um momento de iluminação, lucidez e podemos nos conscientizar do que não estava claro para nossa consciência para que assim seja possível desmascará-lo.
O currículo oculto sem sombra de dúvida cumpriu um papel importante na perspectiva crítica sobre o currículo por descrever os processos sociais que moldam nossa subjetividade inconscientemente, serviu de instrumento para uma análise sociológica dos processos invisíveis e opacos da vida cotidiana na sala de aula.
Com o predomínio do pós-estruturalismo o conceito de currículo oculto, apesar de ainda ser importante, foi perdendo e desgastando seu discurso de invisibilidade para a visibilidade das relações sociais. As características estruturais do currículo oculto se tornaram cada fez mais determinantes, não havendo a necessidade de sua ocultação. Com o neoliberalismo o currículo tornou-se assumidamente capitalista, pois a afirmação explícita da subjetividade e dos valores do capitalismo não permite que tenha muita coisa oculta no currículo.

1-       IDEIAS PRINCIPAIS/ ARGUMENTOS FUNDAMENTAIS

O currículo oculto é evidenciado em quase todas as perspectivas sobre currículo e nele está implícito as relações sociais na escola que são responsáveis pela socialização de normas e atitudes necessárias à adaptação social. Através da estrutura do currículo e da pedagogia que se aprendem os códigos de classe e as aprendizagens sociais relevantes. Quando se toma a consciência do currículo oculto significa, de alguma forma desarmá-lo. Numa era neo-liberal de afirmação explícita da subjetividade e dos valores do capitalismo, não existe mais muita coisa oculta no currículo.

2-       IDEIAS SECUNDÁRIAS/ ALGUNS DETALHAMENTOS
O currículo oculto é constituído por todos os aspectos do ambiente escolar que não faz parte do currículo oficial, contribuem de forma implícita para aprendizagens sócias relevantes. O que aprende com ele são as atitudes, comportamentos, valores e orientações que permitem aos alunos se ajustarem da forma mais conveniente à sociedade capitalista. Aos alunos das classes subordinadas ensina o conformismo, a obediência, o individualismo, a subordinação e aos alunos das classes proprietárias aprendem os traços sociais apropriados ao seu papel de dominação, como também aborda temas de outras esferas sociais: nacionalidade, identificação sexual ou com alguma etnia, etc. Os elementos que no ambiente escolar contribuem para essas aprendizagens são: relações entre professores e alunos, entre a administração e os alunos, a organização do espaço e tempo. A noção de currículo oculto implica na possibilidade de termos um momento de iluminação e lucidez, de conscientizarmos que alguma coisa estava oculta e precisava ser evidenciada.

3-       APRECIAÇÃO CRÍTICA
Concluindo o capítulo percebe-se que o currículo oculto sempre esteve presente em todas as perspectivas de curriculares. A escola, como uma instituição que prepara o aluno para a vida em sociedade, desempenha sua função repressora transmitida através desse currículo oculto, que tem a intenção de garantir a sobrevivência específica do sistema que é a sociedade. Como vivemos numa sociedade capitalista onde todos os valores são explícitos não há mais muitos valores ocultos no currículo.

                                                                                           Ana Carolina Carneiro Lopes
                                                                                                              29/04/11
 

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Chimamanda Adichie: “O perigo de uma única história”.

http://www.ted.com/talks/lang/por_br/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html
Translated into Portuguese (Brazil) by Erika Barbosa
Reviewed by Belucio Haibara

Eu sou uma contadora de histórias e gostaria de contar a vocês algumas histórias pessoais sobre o que eu gosto de chamar "o perigo de uma história única".

Eu cresci num campus universitário no leste da Nigéria. Minha mãe diz que eu comecei a ler com dois anos, mas eu acho que quatro é provavelmente mais próximo da verdade. Então, eu fui uma leitora precoce. E o que eu lia eram livros infantis britânicos e americanos. Eu fui também uma escritora precoce. E quando comecei a escrever, por volta dos sete anos, histórias com ilustrações em giz de cera, que minha pobre mãe era obrigada a ler, eu escrevia exatamente os tipos de histórias que eu lia. Todos os meus personagens eram brancos de olhos azuis. Eles brincavam na neve. Comiam maçãs. (Risos da plateia) E eles falavam muito sobre o tempo, em como era maravilhoso o sol ter aparecido. (Risos da plateia), apesar do fato que eu morava na Nigéria.
Eu nunca havia estado fora da Nigéria. Nós não tínhamos neve, nós comíamos mangas. E nós nunca falávamos sobre o tempo porque não era necessário. Meus personagens também bebiam muita cerveja de gengibre porque as personagens dos livros britânicos que eu lia bebiam cerveja de gengibre. Não importava que eu não tivesse a mínima ideia do que era cerveja de gengibre. (Risos da plateia) E por muitos anos depois, eu desejei desesperadamente experimentar cerveja de gengibre. Mas isso é outra história. A meu ver, o que isso demonstra é como nós somos impressionáveis e vulneráveis em face de uma história, principalmente quando somos crianças. Porque tudo que eu havia lido eram livros nos quais as personagens
eram estrangeiras, eu convenci-me de que os livros, por sua própria natureza, tinham que ter estrangeiros e tinham que ser sobre coisas com as quais eu não podia me identificar. Bem, as coisas mudaram quando eu descobri os livros africanos. Não havia muitos disponíveis e eles não eram tão fáceis de encontrar quanto os livros estrangeiros, mas devido a escritores como Chinua Achebe e Camara Laye eu passei por uma mudança mental em minha percepção da literatura. Eu percebi que pessoas como eu, meninas com a pele da cor de chocolate, cujos cabelos crespos não poderiam formar rabos-de-cavalo, também podiam existir na literatura.
Eu comecei a escrever sobre coisas que eu reconhecia. Bem, eu amava aqueles livros americanos e britânicos que eu lia. Eles mexiam com a minha imaginação, me abriam novos mundos. Mas a consequência inesperada foi que eu não sabia que pessoas como eu podiam existir na literatura. Então o que a descoberta dos escritores africanos fez por mim foi: salvou-me de ter uma única história sobre o que os livros são.
Eu venho de uma família nigeriana convencional, de classe média. Meu pai era professor. Minha mãe, administradora. Então nós tínhamos como era normal, empregada doméstica, que frequentemente vinha das aldeias rurais próximas. Então, quando eu fiz oito anos, arranjamos um novo menino para a casa. Seu nome era Fide. A única coisa que minha mãe nos disse sobre ele foi que sua família era muito pobre. Minha mãe enviava inhames, arroz e nossas roupas usadas para sua família. E quando eu não comia tudo no jantar, minha mãe dizia: "Termine sua comida! Você não sabe que pessoas como a família de Fide não tem nada?" Então eu sentia uma enorme pena da família de Fide.
Então, num sábado, nós fomos visitar a sua aldeia e sua mãe nos mostrou um cesto com um padrão lindo, feito de ráfia seca por seu irmão. Eu fiquei atônita! Nunca havia pensado que alguém em sua família pudesse realmente criar alguma coisa. Tudo que eu tinha ouvido sobre eles era como eram pobres, assim havia se tornado impossível pra mim vê-los como alguma coisa além de pobres. Sua pobreza era minha história única sobre eles.
Anos mais tarde, pensei nisso quando deixei a Nigéria para cursar universidade nos Estados Unidos. Eu tinha 19 anos. Minha colega de quarto americana ficou chocada comigo. Ela perguntou onde eu tinha aprendido a falar inglês tão bem e ficou confusa quando eu disse que, por acaso, a Nigéria tinha o inglês como sua língua oficial. Ela perguntou se podia ouvir o que ela chamou de minha "música tribal" e, consequentemente, ficou muito desapontada quando eu toquei minha fita da Mariah Carey. (Risos da plateia) Ela presumiu que eu não sabia como usar um fogão.
O que me impressionou foi que: ela sentiu pena de mim antes mesmo de ter me visto. Sua posição padrão para comigo, como uma africana, era um tipo de arrogância bem intencionada, piedade. Minha colega de quarto tinha uma única história sobre a África. Uma única história de catástrofe. Nessa única história não havia possibilidade de os africanos serem iguais a ela, de jeito nenhum. Nenhuma possibilidade de sentimentos mais complexos do que piedade.
Nenhuma possibilidade de uma conexão como humanos iguais. Eu devo dizer que antes de ir para os Estados Unidos, eu não me identificava, conscientemente, como uma africana. Mas nos EUA, sempre que o tema África surgia, as pessoas recorriam a mim. Não importava que eu não soubesse nada sobre lugares como a Namíbia. Mas eu acabei por abraçar essa nova identidade. E, de muitas maneiras, agora eu penso em mim mesma como uma africana. Entretanto, ainda fico um pouco irritada quando se referem à África como um país. O exemplo mais recente foi meu maravilhoso voo de Lagos, dois dias atrás, não fosse um anúncio de um voo da Virgin sobre o trabalho de caridade na "Índia, África e outros países". (Risos da plateia)
Então, após ter passado vários anos nos EUA como uma africana, eu comecei a entender a reação de minha colega para comigo. Se eu não tivesse crescido na Nigéria e se tudo que eu conhecesse sobre a África viesse das imagens populares, eu também pensaria que a África fosse um lugar de lindas paisagens, lindos animais e pessoas incompreensíveis, lutando guerras sem sentido, morrendo de pobreza e AIDS, incapazes de falar por elas mesmas e esperando serem salvos por um estrangeiro branco e gentil. Eu veria os africanos do mesmo jeito que eu, quando criança, havia visto a família de Fide.
Eu acho que essa única história da África vem da literatura ocidental. Então, aqui temos uma citação de um mercador londrino chamado John Locke, que navegou até o oeste da África em 1561 e manteve um fascinante relato de sua viagem. Após referir-se aos negros africanos como "bestas que não tem casas", ele escreve: "Eles também são pessoas sem cabeças, que “têm sua boca e olhos em seus seios.” Eu rio toda vez que leio isso, e deve-se admirar a imaginação de John Locke. Mas o que é importante sobre sua escrita é que ela representa o início de uma tradição de contar histórias africanas no Ocidente. Uma tradição da África subsaariana como um lugar negativo, de diferenças, de escuridão, de pessoas que, nas palavras do maravilhoso poeta, Rudyard Kipling, são "metade demônio, metade criança".
E então eu comecei a perceber que minha colega de quarto americana deve ter, por toda sua vida, visto e ouvido diferentes versões de uma única história. Como um professor, que uma vez me disse que meu romance não era "autenticamente africano". Bem, eu estava completamente disposta a afirmar que havia uma série de coisas erradas com o romance, que ele havia falhado em vários lugares. Mas eu nunca teria imaginado que ele havia falhado em alcançar alguma coisa chamada autenticidade africana. Na verdade, eu não sabia o que era "autenticidade africana". O professor me disse que minhas personagens pareciam-se muito com ele, um homem educado de classe média. Minhas personagens dirigiam carros, elas não estavam famintas. Por isso elas não eram autenticamente africanas.
Mas eu devo rapidamente acrescentar que eu também sou culpada na questão da única história. Alguns anos atrás, eu visitei o México saindo dos EUA. O clima político nos EUA àquela época era tenso. E havia debates sobre imigração. E, como frequentemente acontece na América, imigração tornou-se sinônimo de mexicanos. Havia histórias infindáveis de mexicanos como pessoas que estavam espoliando o sistema de saúde, passando às escondidas pela fronteira, sendo presos na fronteira, esse tipo de coisa. Eu me lembro de andar no meu primeiro dia por Guadalajara, vendo as pessoas indo trabalhar, enrolando tortilhas no supermercado, fumando, rindo. Eu me lembro que meu primeiro sentimento foi surpresa. E então eu fiquei oprimida pela vergonha. Eu percebi que eu havia estado tão imersa na cobertura da mídia sobre os mexicanos que eles haviam se tornado uma coisa em minha mente: o imigrante abjeto. Eu tinha assimilado a única história sobre os mexicanos e eu não podia estar mais envergonhada de mim mesma. Então, é assim que se cria uma única história: mostre um povo como uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que ele se tornará.
É impossível falar sobre única história sem falar sobre poder. Há uma palavra, uma palavra da tribo Igbo, que eu lembro sempre que penso sobre as estruturas de poder do mundo, e a palavra é "nkali". É um substantivo que livremente se traduz: "ser maior do que o outro". Como nossos mundos econômico e político, histórias também são definidas pelo princípio do "nkali". Como é contadas, quem as conta, quando e quantas histórias são contadas, tudo realmente depende do poder. Poder é a habilidade de não só contar a história de outra pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa. O poeta palestino Mourid Barghouti escreve que se você quer destituir uma pessoa, o jeito mais simples é contar sua história, e começar com "em segundo lugar". Comece uma história com as flechas dos nativos americanos, e não com a chegada dos britânicos, e você tem uma história totalmente diferente. Comece a história com o fracasso do estado africano e não com a criação colonial do estado africano e você tem uma história totalmente diferente.
Recentemente, eu palestrei numa universidade onde um estudante me disse que era uma vergonha que homens nigerianos fossem agressores físicos como a personagem do pai no meu romance. Eu disse a ele que eu havia terminado de ler um romance chamado "Psicopata Americano" - (Risos da plateia) e que era uma grande pena que jovens americanos fossem assassinos em série. (Risos da plateia e aplausos) É óbvio que eu disse isso num leve ataque de irritação. (Risos da plateia)
Nunca havia me ocorrido pensar que só porque eu havia lido um romance no qual uma personagem era um assassino em série, que isso era, de alguma forma, representativo de todos os americanos. E agora, isso não é porque eu sou uma pessoa melhor do que aquele estudante, mas, devido ao poder cultural e econômico da América, eu tinha muitas histórias sobre a América. Eu havia lido Tyler, Updike, Steinbeck e Gaitskill. Eu não tinha uma única história sobre a América.
Quando eu soube, alguns anos atrás, que escritores deveriam ter tido infâncias realmente infelizes para ter sucesso, eu comecei a pensar sobre como eu poderia inventar coisas horríveis que meus pais teriam feito comigo. (Risos da plateia) Mas a verdade é que eu tive uma infância muito feliz, cheia de risos e amor, em uma família muito unida.
Mas também tive avós que morreram em campos de refugiados. Meu primo Polle morreu porque não teve assistência médica adequada. Um dos meus amigos mais próximos, Okoloma, morreu num acidente aéreo porque nossos caminhões de bombeiros não tinham água. Eu cresci sob governos militares repressivos que desvalorizavam a educação, então, por vezes, meus pais não recebiam seus salários. E então, ainda criança, eu vi a geleia desaparecer do café-da-manhã, depois a margarina desapareceu, depois o pão tornou- se muito caro, depois o leite ficou racionado. E acima de tudo, um tipo de medo político normalizado invadiu nossas vidas.
Todas essas histórias fazem de mim quem eu sou. Mas insistir somente nessas histórias negativas é superficializar minha experiência e negligenciar as muitas outras histórias que me formaram. A “única história cria estereótipos”. E o problema com estereótipos não é que eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem um história tornar-se a única história.
Claro, África é um continente repleto de catástrofes. Há as enormes, como as terríveis violações no Congo. E há as depressivas, como o fato de 5.000 pessoas candidatarem-se a uma vaga de emprego na Nigéria. Mas há outras histórias que não são sobre catástrofes. E é muito importante, é igualmente importante, falar sobre elas. Eu sempre achei que era impossível relacionar-me adequadamente com um lugar ou uma pessoa sem relacionar-me com todas as histórias daquele lugar ou pessoa. A consequência de uma única história é essa: ela rouba das pessoas sua dignidade. Faz o reconhecimento de nossa humanidade compartilhada difícil.
Enfatiza como nós somos diferentes ao invés de como somos semelhantes. E se antes de minha viagem ao México eu tivesse acompanhado os debates sobre imigração de ambos os lados, dos Estados Unidos e do México? E se minha mãe nos tivesse contado que a família de Fide era pobre E trabalhadora? E se nós tivéssemos uma rede televisiva africana que transmitisse diversas histórias africanas para todo o mundo? O que o escritor nigeriano Chinua Achebe chama "um equilíbrio de histórias."
E se minha colega de quarto soubesse do meu editor nigeriano, Mukta Bakaray, um homem notável que deixou seu trabalho em um banco para seguir seu sonho e começar uma editora?
Bem, a sabedoria popular era que nigerianos não gostam de literatura. Ele discordava. Ele sentiu que pessoas que podiam ler, leriam se a literatura se tornasse acessível e disponível para elas.
Logo após ele publicar meu primeiro romance, eu fui a uma estação de TV em Lagos para uma entrevista. E uma mulher que trabalhava lá como mensageira veio a mim e disse: "Eu realmente gostei do seu romance, mas não gostei do final. Agora você tem que escrever uma sequência, e isso é o que vai acontecer..." (Risos da plateia) E continuou a me dizer o que escrever na sequência. Agora eu não estava apenas encantada, eu estava comovida. Ali estava uma mulher, parte das massas comuns de nigerianos, que não se supunham ser leitores. Ela não só tinha lido o livro, mas ela havia se apossado dele e se sentia no direito de me dizer o que escrever na sequência.
Agora, e se minha colega de quarto soubesse de minha amiga Fumi Onda, uma mulher destemida que apresenta um show de TV em Lagos, e que está determinada a contar as histórias que nós preferimos esquecer? E se minha colega de quarto soubesse sobre a cirurgia cardíaca que foi realizada no hospital de Lagos na semana passada? E se minha colega de quarto soubesse sobre a música nigeriana contemporânea? Pessoas talentosas cantando em inglês e Pidgin, e Igbo e Yoruba e Ijo, misturando influências de Jay-Z a Fela, de Bob Marley a seus avós. E se minha colega de quarto soubesse sobre a advogada que recentemente foi ao tribunal na Nigéria para desafiar uma lei ridícula que exigia que as mulheres tivessem o consentimento de seus maridos antes de renovarem seus passaportes? E se minha colega de quarto soubesse sobre Nollywood, cheia de pessoas inovadoras fazendo filmes apesar de grandes questões técnicas? Filmes tão populares que são realmente os melhores exemplos de que nigerianos consomem o que produzem. E se minha colega de quarto soubesse da minha maravilhosamente ambiciosa trançadora de cabelos, que acabou de começar seu próprio negócio de vendas de extensões de cabelos? Ou sobre os milhões de outros nigerianos que começam negócios e às vezes fracassam, mas continuam a fomentar ambição?
Toda vez que estou em casa, sou confrontada com as fontes comuns de irritação da maioria dos nigerianos: nossa infraestrutura fracassada, nosso governo falho. Mas também pela incrível resistência do povo que prospera apesar do governo, ao invés de devido a ele. Eu ensino em workshops de escrita em Lagos todo verão. E é extraordinário pra mim ver quantas pessoas se inscrevem, quantas pessoas estão ansiosas por escrever, por contar histórias. Meu editor nigeriano e eu começamos uma ONG chamada Farafina Trust. E nós temos grandes sonhos de construir bibliotecas e recuperar bibliotecas que já existem e fornecer livros para escolas estaduais que não têm nada em suas bibliotecas, e também organizar muitos e muitos workshops, de leitura e escrita para todas as pessoas que estão ansiosas para contar nossas muitas histórias. Histórias importam. Muitas histórias importam. Histórias têm sido usadas para expropriar e tornar maligno. Mas histórias podem também ser usadas para capacitar e humanizar. Histórias podem destruir a dignidade de um povo, mas histórias também podem reparar essa dignidade perdida. A escritora americana Alice Walker escreveu isso sobre seus parentes do sul que haviam se mudado para o norte. Ela os apresentou a um livro sobre a vida sulista que eles tinham deixado para trás. "Eles sentaram-se em volta, lendo o livro por si próprios, ouvindo-me ler o livro e um tipo de paraíso foi reconquistado." Eu gostaria de finalizar com esse pensamento: Quando nós rejeitamos uma única história, quando percebemos que nunca há apenas uma história sobre nenhum lugar, nós reconquistamos um tipo de paraíso. Obrigada. (Aplausos).