terça-feira, 14 de junho de 2011

TEXTUALIZANDO 3

Uma história da contribuição dos estudos do cotidiano escolar ao campo de currículo
Nilda Alves
Inês Barbosa de Oliveira

Os primórdios dos estudos do cotidiano escolar: o modo oficial de se “ver” a escola e o que nela se passa
Os estudos americanos a respeito do cotidiano escolar comparavam o a uma “caixa-preta”, terminologia que pode ter sido emprestada do ensino de ciências, onde era usada para estimular os alunos a criação de ideias; ou então da mecânica e da tecnologia lógica, ou também da “teoria de sistemas” que influenciou nas reformas na cúpula do sistema educativo para mudanças nos processos educativos que era verificado seu resultado na saída do aluno da escola.
O uso da metáfora foi usado para compreender a impossibilidade de se saber o que se passa no cotidiano escolar que acaba sendo considerado negligenciável. Ou seja, a intervenção no sistema educacional deve-se dar nos planos de entrada (inputs), realimentado com dados obtidos no final do processo anterior (feedback), possível por meio da avaliação dos indicativos fornecidos pelos resultados de saída (outputs).
Tem-se assim uma escola ideal, planejada do alto e de fora e compreendida como lugar de aplicação desses planos com apoio de recursos e a sendo verificado o resultado através provas gerais nacionais que nos dão as informações do que lá se passou.
Ao analisar cotidiano escolar recorrendo as teorias sistêmicas segue toda uma tendência de redução do real de suas varáveis controláveis porque se entendia o “mundo escolar” como um mundo separado do mundo real, sem considerar que os sujeitos ali inseridos mantêm relações com o mundo exterior.
Um segundo e rico momento: de Stake à compreensão dos processos pedagógicos na escola
As pesquisas de acordo com a concepção de Stake, feitas no Brasil permitiram entender que a forma hegemônica de compreensão do cotidiano escolar era insuficiente para fazer uma análise de seus problemas e possíveis soluções. Devido o cotidiano escolar ser muito complexo há a necessidade de cruzamento de fontes constantes de observações do que acontece na escola e a dificuldade de generalizar uma conclusão a respeito do que está acontecendo nesse cotidiano escolar dificulta a análise da situação.
Mais tarde Stenhouse, cria a idéia de professor pesquisador, que permite a este através da pesquisa questionar suas diversas práticas e possibilitando assim fazer as intervenções necessárias no cotidiano escolar. No momento da pesquisa é importante considerar os múltiplos sujeitos do cotidiano escolar para compreender as diferenças culturais existentes na vida em sociedade.
Com a tradução dos estudos de Elsie Rockwell e Justa Ezpeleta passa ser incorporada na análise do cotidiano escolar a sua verdadeira realidade, como ela é, sem julgamentos a priori de valor.
Estudos do cotidiano hoje no Brasil (e em outros lugares)
A escola inserida numa rede de subjetividade formada pelos diferentes cotidianos, atualmente faz uma crítica ao modelo da ciência moderna que, para se construir precisou considerar os conhecimentos cotidianos como senso comum e este deveriam ser superados pelo conhecimento científico. Nesse caso, alguns aspectos dos processos sociais nos estudos do cotidiano acabaram sendo negligenciados pelo fazer científico da modernidade.
A negligencia evidenciada na modernidade diz respeito ao paradigma da ciência galileo-newtoniana, que privilegiou os elementos controláveis e quantificáveis da realidade, desconsiderando os demais dados. As expressões qualitativas da vida cotidiana foram abandonadas. Assim, o cotidiano passou a ser analisado pela ótica da quantidade, sem muito questionamento, sendo resumido ao espaço de repetição, de norma de obviedade, do senso comum e da regulação. Se conseguimos recuperar de nossas vidas os aspectos singulares e qualitativos dessas práticas cotidianas, vamos dar conta de que nunca há repetição.
Aprendemos que o que é relevante no nosso fazer é o “o quê” fazer, por ser mensurável e não o “como” fazer, porque varia, não tem controle. Muitos autores, entre eles Foucault, denunciam esta analise do cotidiano e não mostra a multiplicidade de forma de realização das práticas cotidianas.
Para continuar a análise do cotidiano escolar há a necessidade de esclarecer a dicotomia entre os aspectos quantitativos e qualitativos deste cotidiano; chegando à conclusão de que: o cotidiano é o conjunto de atividades que desenvolvemos no nosso dia-a-dia, tanto do que nelas é permanência (o seu conteúdo) quanto do que nelas é singular (as sua formas). Portanto, as duas dimensões devem ser consideradas nesta análise.
Para compreender a lógica que preside o desenvolvimento das ações cotidianas precisamos considerar que estamos sempre em processo de mudança, imersos em redes de saberes e fazeres e que tanto o conteúdo como a forma pelas quais essas ações se desenvolvem têm como características a complexidade (Morin) e a diferenciação (Santos), sob a influência de fatores mais ou menos aleatórios. Sendo assim, precisamos então “desaprender” os saberes que sabemos (das teorias da modernidade) e ao mesmo tempo buscar compreender as formas de processos de criação das ações e de suas manifestações. Quando compreendemos essas diferentes e complexas formas de criar e viver nos múltiplos espaços e tempos cotidianos entendemos “as redes de subjetividade que cada um de nós é” (Santos). Sendo assim, no processo de recriação de nossos fazeres, onde sofremos influência do contexto sócio-histórico-cultural é que construímos nossas identidades individuais e coletivas.
Portanto, para compreender a lógica da vida cotidiana, precisamos nela mergulhar (Oliveira e Alves), aceitando a impossibilidade de obtermos dados relevantes gerais numa realidade caótica e a necessidade de considerar todos os elementos constitutivos.
Ao analisar a nossa realidade precisamos considerar que as teorias de aprendizagem foram construídas negando a existência do cotidiano e dos conhecimentos que nele foi tecido. Outro aspecto também considerado é que ao analisar o cotidiano acreditamos saber alguma coisa em relação ao assunto analisado o que dificulta nossa percepção. Para aprendermos e apreendermos a multiplicidade dos elementos constitutivos da realidade do cotidiano é preciso que nele cheguemos de modo aberto, sem preconceitos.
Segundo Alves, dentro da ideia de tessitura do conhecimento em rede (Alves) se fizermos uma análise do cotidiano em premissas pré-definidas criamos em nossas redes “nós cegos” impossibilitando a articulação de novos fios de saberes aos já sabidos.
Numa outra análise de Maturana, os conceitos e afirmações que aceitamos  sem refletirmos sobre eles, são os “antolhos”, que nos deixam cegos frente a tantas possibilidades. Ou recorrendo a Von Forster e sua idéia de que “é preciso crê para ver”, entendemos que não podemos analisar a realidade se estivermos fechados em crenças e preconceitos, pois não vamos perceber aquilo que nela é transgressão. Pelo ponto de vista de Santos, os saberes assumidos como dados imutáveis em uma análise do que está pesquisando podem representar modos de regulação que dificultam perceber o pensamento emancipatório, onde há possibilidade de subversão dos saberes da ciência moderna, ou seja, é preciso desaprender para aprender. É assim que os estudiosos da atualidade procuram compreender currículo.
Candeias, pesquisa a respeito do processo de acesso à leitura e à escrita na sociedade portuguesa do último século analisando essa postura de não saber e querer saber o que efetivamente ocorreu na sociedade portuguesa, abdicando de paradigmas definidos pelo pensamento da modernidade. Houve a necessidade de uma ação emancipatória em relação aos saberes hegemônicos e reguladores de metodologias de pesquisas para que o trabalho pudesse compreender os processos reais. A pesquisa considerou a complexidade do real e a importância de compreensão do viver cotidiano, das práticas culturais reais da população como elementos explicativos dos processos sociais. Trabalho no qual buscou compreender os complexos processos que nos fazem ser portadores não de uma identidade monolítica e hierarquizável no plano estatístico, mas que constituímos enquanto rede de subjetividade, dinâmicas plurais (Santos).
Juntando ao trabalho de Candeias, o que pretendemos evidenciar é que para compreender o cotidiano escolar precisamos entender como os professores agem na busca de levar seus alunos a  aprenderem, que elementos criam a partir de suas redes de saberes, de práticas e de subjetividades, como criam seus fazeres e desenvolvem suas práticas em função do que são.
Ao analisar as pesquisas é importante questionar como se dão os processos cotidianos de criação e de desenvolvimento da ação pedagógica inscritos e como os alunos estão realmente aprendendo a partir dessa prática escolar.
Concluindo, precisamos compreender efetivamente o quê se aprende nas escolas, buscando atribuir significados livres de preconceitos, ouvir as vozes dos que fazem esse cotidiano escolar, cotidianamente.

Nem preto nem branco: o caráter multicor das práticas curriculares
         Para compreender o estudo do cotidiano precisamos compreender que as práticas curriculares reais são complexas e relacionadas a saberes e fazeres, nem constituindo um todo coerente, assim como as propostas curriculares formais que sejam a escola são também contraditórias, assumindo um caráter mais ou menos regulatório ou emancipatório em diferentes proposições.
Neste sentido entendemos as práticas curriculares como “multicoloridas”, cada conteúdo de ensino, repetidamente ano após ano, turma após turma, vai ser trabalhado diferentemente por professores diferentes, em turmas diferentes, em situações diferentes. Diante dessas ideias percebemos que a tonalidade das cores dependerão das relações que serão estabelecidas neste cotidiano. Em situações de práticas progressistas vamos perceber nas escolas tanto elementos regulatórios como emancipatórios.
Portanto, avaliar as práticas pedagógicas chega a ser impossível. Por isso, consideramos que “o preto e o branco” não são cores que nos permitem captar a complexidade e a riqueza desses processos.

Ana Carolina Carneiro Lopes
Angela Azevedo Morais
           







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